Fim de ano, festas natalinas e o tão aguardado momento de curtir o feriadão na praia. Lá fui eu com a família enfrentar o trânsito caótico na descida da serra, como se não fosse o suficiente, amargamos mais dois dias de chuva dentro do apartamento torcendo pelo tão desejado sol de verão. Em tempos de seca, até torcemos muito pela chuva, mas não precisava vir tudo de uma vez justo nos dias de folga.
Enfim, o dia raiou com tempo firme e com ele a turistada compareceu em peso à praia. Com o alívio de não precisar tirar o carro da garagem, atravessamos a rua e já no calçadão fomos recepcionados pelo concierge praiano, Wallace, funcionário da barraca de petiscos à beira mar. Esquadrinhando o escasso espaço nas areias, ele lançou mão da ferramenta e instalou o guarda sol da Associação dos Funcionários Públicos, colocou a mesinha plástica e sacou o menu que carregava debaixo do braço suado: “Qualquer coisa é só chamar doutor”.
Não demorou muito para descobrir que o lugar que conseguimos só estava vazio pela simples razão do calor que recebia do carrinho de milho verde estacionado ao lado.
Depois de ser escalado para cuidar dos pertences enquanto os demais faziam caminhada e tentavam um espaço para mergulhar nas águas lotadas, aproveitei o momento para despertar o intelectual adormecido, apesar do barulho, calor e agito, me concentrei na leitura do recém lançado Brasil: A Turbulenta Ascensão de um País que traça um panorama político-econômico desde a colonização até os dias atuais.
Pouco tempo passou para reparar na movimentação que começava perto, quando chegou um casal, filha e neta, com tralha e equipamento que supus não iam conseguir instalar em 1 metro quadrado de areia. Como a Lei de Murphy não falha, vieram exatamente ao meu lado e a ali fincaram o guarda-sol extra large com 4 metros de diâmetro (o dobro dos demais mortais), como se não bastasse, pediram ao barraqueiro mais 1 normal acompanhado de, nada mais nada menos que, 8 cadeiras.
Enquanto eu mudava, mais uma vez, a minha cadeira devido a mudança da posição do sol, apertado embaixo do meu, agora, mísero guarda-sol, os vizinhos ajeitaram o cooler de bebidas e passaram a se besuntar de protetor solar. Exceto a bebê, os demais tinham a configuração física de lutadores de sumô. Logo depois chegou, também, o pai grandalhão da bebê com, pasmem, mais outro guarda-sol e 2 cadeiras espreguiçadeiras, mais a piscininha da criança. Dava para ler o pensamento dos vizinhos que serviam de coadjuvantes para aquele teatro da vida real.
Não sei se foi efeito da caipiroska, influência do livro ou resquício de sentimento de frustração da vida profissional, mas comecei a associar aquela situação sui generis com a dos servidores públicos do estado de São Paulo. Fiquei imaginando que aquela família podia ser de um magistrado que além do teto salarial diferenciado, mais elevado, tem penduricalhos (auxílio moradia, vale refeição, assistência médica, ajuda com livros, etc.) que criam um sombreamento ou cobertura adicional, com puxadinhos, varandas, anexos, etc. Enquanto os demais tem que se apertar dentro do espaço de um guarda sol “de pobre” ou subteto diferenciado.
O exemplo, por mais simplório que possa ser, demonstra bem a distinção e privilégios existentes. Até onde os olhos alcançavam aquela família era um contraste das demais pessoas, pela postura e comportamento, chegando à ostentação, com iphone 6, bolsas de grife e cardápio consumido. Talvez eles tenham errado de praia, pois ali é a frente da sede de veraneio da AFPESP no Guarujá. Aliás, naquele pedaço, servem uma das melhores tapiocas do litoral, além dos petiscos de camarão, isca de peixe, etc., o que, pelo menos, serve de consolo para o ‘sacrifício’!