Waldeban Medeiros
Quem Tem Boca Vai a Roma!
Os ditos populares se proliferam sistematicamente. À medida que alguém os escuta e os repete mais na frente, eles são pronunciados de maneira diferente, não importando para quem os pronunciam se está correto ou não.
Na Roma antiga, à época dos imperadores, aqueles que iam morrer, seja decapitado ou devorado pelos leões, dependendo do humor dos sádicos dirigentes, tinham que proferir uma frase que, pelo seu conteúdo, representa a crueldade que imperava no império romano:
“Ave César! Os que vão morrer te saúdam”!
Entretanto, como em todo grupo existem os dissidentes, após pronunciarem a hipócrita frase, uma boa parte daqueles condenados à morte gritava numa só voz: “Quem tem boca vaia Roma”! Isto mesmo, vaia do verbo vaiar. E tome apupo, tome vaia, afinal, sabiam que não escapavam da morte, uma vaia aqui outra ali apenas alimentava o coro de protesto contra o regime.
O nosso personagem, Zé de Maria, escutou a tal frase quando bebericava na mercearia do Bento, numa história contada pelo seu compadre e a guardou no seu subconsciente sem ver a hora de empregar a expressão popular que achara tão bonita.
Passou-se um bom tempo e Zé de Maria teve que viajar à capital do estado. Como naquele tempo o transporte de passageiro era muito precário, Zé de Maria levou quatro dias e três noites para chegar a João Pessoa. Aqui, foi mais umas sete horas para descobrir o endereço do seu primo, Mané de Zilda, que já morava na cidade grande há mais de cinco anos.
Pergunta aqui, pergunta acolá, Zé de Maria foi enveredando a pé pelo bairro da Torre até que, depois de mil e uma perguntas, conseguiu localizar o endereço do primo. Este, por sua vez, achou que o Zé fizera uma grande proeza ao descobrir onde ele morava, já que era a primeira vez que Zé Maria havia viajado para um local tão distante.
– Zé, que surpresa! Como você conseguiu chegar aqui?
Zé de Maria viu naquela oportunidade o momento adequado, o instante ideal para demonstrar um pouco da sua cultura e dos seus conhecimentos adquiridos na mercearia do Bento, entre goles e mais goles de cachaça com tira-gosto de carne de charque. Estufou o peito, fez uma pose de intelectual, olhou firme para o primo e tascou:
– Ora, quem tem boca vai a Roma!
Isto mesmo, vai do verbo ir! Estava agregado mais um dito popular na cultura brasileira, deturpado do original criado pelos cristãos da época dos César.
*Waldeban Medeiros, simplesmente um contador de “causos”… Escritor e psicólogo. Auditor Fiscal do Estado da Paraíba aposentado, tendo exercido o cargo de Coletor Estadual na cidade de Sousa nos anos 90/94, com título de cidadão sousense pela sua militância no futebol da cidade “sorriso”, tendo sido um dos fundadores da Liga Sousense de Futebol. medewal@gmail.com