João Francisco Neto
Imaginem um país em que parte dos políticos se elege financiada pelo dinheiro das empresas, para as quais passam a trabalhar depois de eleitos; um país em que o Estado age em benefício de grandes empresários, concedendo-lhes generosos incentivos; um país em que leis são feitas para favorecer setores já privilegiados; um país em que a corrupção é tão disseminada, a ponto de fazer parte da vida nacional. Que país é este? Num primeiro momento alguém poderia achar que é o Brasil; mas não é. O país descrito acima eram os Estados Unidos, no período que foi do final da Guerra Civil (1865) até o início do século 20, que entrou para a história sob o nome de a “Era Dourada” (Gilded Age). Na verdade, esse título foi dado pelo escritor americano Mark Twain (1835-1910), que, além de romancista, era jornalista e um crítico feroz da cena política americana. Mark Twain considerava que, debaixo de uma fina camada dourada, havia nos Estados Unidos uma imensidão de problemas sociais.
Em 1865, a partir do fim da Guerra Civil, os Estados Unidos mergulharam num processo de crescimento acelerado jamais visto na história mundial. Foi a era em que se deu a maior expansão do capitalismo, transformando a nação americana por meio de grandes empreendimentos, como a indústria do aço, naval, do petróleo, aliados à chegada de milhões de imigrantes, aptos a fornecer fartura de mão de obra para todos aqueles empreendimentos. A “Era Dourada” foi o período em que emergiram as grandes fortunas americanas – e os “barões ladrões”-, construídas à custa de uma agressiva exploração dos recursos naturais, manutenção de monopólios ilegais, superfaturamento de obras, compra de mandatos políticos, exploração de trabalhadores mediante pagamento de baixíssimos salários, e muito suborno e corrupção, que possibilitavam a realização de qualquer negócio público. Empreiteiros mantinham acordos imorais com grupos políticos, para propiciar todo tipo de negociatas, que resultavam em gordos benefícios.
Consta que apenas um chefe político, o notório William Tweed (1823-1878), que foi senador e governador, teria roubado a espantosa quantia de 4 bilhões de dólares de recursos públicos, em valores atualizados. A “jóia da coroa” que impulsionava todo o crescimento americano eram as ferrovias, que, na virada para o século 20, já contavam com uma rede de mais de 200 mil milhas, que ligava todo o território americano de norte a sul e de leste a oeste. Apesar de tudo, o formidável crescimento que os Estados Unidos experimentaram na “Era Dourada” ocorria num ambiente de muita corrupção, desmandos políticos, favorecimentos, fraudes eleitorais, compra de votos, compra de cargos públicos (não havia concursos públicos; muita gente “comprava” cargos no governo), clientelismo político deslavado, impunidade, etc. Enfim, o país nunca crescera tanto e de forma tão rápida, a despeito do ambiente de corrupção que contaminava toda a nação americana.
E como os Estados Unidos conseguiram dar a volta por cima, para sair daquele atoleiro de imoralidades? Nas décadas finais do século 19, houve um crescimento do clamor popular, que, aliado às investigações da imprensa, acabaram para conduzir os Estados Unidos para um novo patamar de moralidade pública e correção dos rumos da política, mediante a aprovação de importantes leis antitruste, criação do Imposto de Renda, regulamentação dos monopólios, criação de poderosas agências reguladoras para fiscalizar o setor bancário, de medicamentos, de alimentos, de capitais, etc., além de duras punições para corruptos e corruptores. Foi uma empreitada que não se fez da noite para o dia; ao contrário, levou décadas para ser concluída. A rigor, ainda não foi concluída, pois nenhum país está totalmente livre da corrupção. Se por lá foi necessário tanto tempo para se mudar, imagine então o leitor como isso se dará aqui, em terra brasilis.
* Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
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