Em 1714, em Londres, foi publicada a primeira versão de um livro que se tornaria muito importante para os estudos da política e da economia: “A Fabula das Abelhas, ou Vícios Privados, Benefícios Públicos”. Seu autor é Bernard de Mandeville, nascido na Holanda, mas radicado na Inglaterra. Assim que foi publicado, o livro causou grande furor na sociedade local e recebeu duras críticas por parte de influentes personalidades da época. Mas, o que trazia de tão importante o livro de Mandeville? Tendo como texto básico uma pequena história fantasiosa (uma fábula), as idéias de Mandeville influenciariam para sempre a economia, a ética e a política.
A fábula pode ser assim resumida: era uma vez uma grande colmeia, onde todas as abelhas viviam em paz e se produzia de tudo. A colmeia era próspera e havia trabalho para todos, porém era uma sociedade dominada pelos vícios e pelas fraudes. E assim foi até que um grupo de abelhas moralistas resolveu pedir aos deuses que acabassem de vez com os vícios e os comportamentos fraudulentos, para que, assim, fosse criada uma sociedade virtuosa. O pedido foi atendido e, imediatamente, todos passaram a adotar um comportamento honrado e virtuoso.
A primeira consequência foi baixar o preço da carne, que andava pela hora da morte; e assim, todos passaram a comemorar esse novo tempo de virtudes. Entretanto, dentro de pouco tempo, as coisas começaram a desandar: os tribunais e os advogados ficaram sem serviço, pois ninguém mais cometia crimes e todos pagavam suas dívidas, inclusive aquelas esquecidas; não havia mais insegurança, e todos os policiais foram dispensados; bares e fábricas de bebidas logo fecharam, pois ninguém mais bebia; a colmeia foi obrigada a dispensar muitos funcionários públicos, já que todo mundo passou a trabalhar e não havia lugar para todos; bancos quebraram, pois ninguém mais tinha interesse em poupar ou tomar empréstimos.
E, como todos passaram a consumir somente o necessário, ou seja, quase nada, as fábricas paralisaram suas atividades e dispensaram muitos trabalhadores. O dinheiro não circulava mais na colmeia. Para quê, se não havia mais vícios ou diversões, e nem o consumismo para se gastar o dinheiro?
Moral da história: segundo Mandeville, o bem comum não seria produto da virtude das pessoas, e sim dos seus vícios individuais, como a luxúria, a ganância, a vaidade e a inveja. Para ele, aquilo que de pior existe em cada um de nós contribui com alguma coisa para alavancar o bem comum: o interesse próprio é que nos impulsiona para frente, para produzir e ganhar cada vez mais.
Daí concluiu Mandeville que, se para produzir uma sociedade próspera nós dependermos da bondade de cada um, nada funcionará. Em pleno início do século 18, e na transição do mercantilismo para o liberalismo, essas ideias receberam fortes ataques dos moralistas de plantão, mas acabaram por influenciar um dos maiores economistas que o mundo já conheceu, Adam Smith.
De certa forma, diz-se que Mandeville revelou as entranhas do capitalismo, ao afirmar que a política e a economia não dependiam do bem moral para um bom funcionamento. Mandeville, que não desejava irritar demais os moralistas da época, pregava também que, embora os vícios fossem importantes, aqueles que exagerassem, a ponto de cometer crimes, deveriam ser severamente punidos. Para ele, os vícios impulsionavam a economia, mas os excessos tinham de ser combatidos. Na época, imaginava-se que todos os homens eram naturalmente dotados de virtudes, contra o que Mandeville se insurgia.
Dizia que a principal razão pela qual poucas pessoas se entendiam era porque os escritores e os religiosos sempre ensinavam como os homens deveriam ser, e poucos se davam ao trabalho de mostrar como eles de fato eram. Para finalizar, costuma-se dizer que, no Brasil de hoje (e de sempre), o ditado de Mandeville foi invertido: “vícios públicos, benefícios privados”.
*Agente fiscal de rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro – Faculdade de Direito da USP
PERFIL e ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
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