“Há séculos os governos vêm fazendo ouvidos de mercador”
Há pouco, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca diagnosticou que as recentes paralisações dos caminhoneiros podem ter sido o embrião de uma rebelião tributária (Folha de S. Paulo, 27/5/18), que ocorre quando a população não mais reconhece a legitimidade do governo para cobrar impostos. No caso brasileiro, a questão é o peso excessivo da carga tributária, sem a devida contrapartida dos serviços públicos.
Num ambiente em que a população nada espera de seus governantes, criam-se, então, as condições para uma rebelião tributária, ou seja, uma insubordinação civil contra impostos injustos. Ainda não chegamos a tanto, mas não estamos tão distantes, assim. É provável que essa seja uma das explicações para o alto grau de apoio da população para a greve dos caminhoneiros.
Ao longo dos tempos, muitas revoluções tiveram origem na questão do pagamento excessivo de impostos. Dentre os inúmeros casos, destacam-se as Revoluções Americana e Francesa, que serviram de marco para muitas outras.
Recém-saída da “Guerra dos Sete Anos” travada contra a França, a Inglaterra decidiu que as enormes despesas daquele conflito deveriam ser suportadas por suas 13 colônias americanas que, por isso, deveriam pagar mais impostos. Esse fato provocaria grande descontentamento entre os colonos e daria início à Revolução Americana, que desaguaria na Declaração de Independência, em 1776.
A independência americana foi precedida por intensos debates na sede do parlamento inglês. Num desses debates, Arthur Lee, o representante da Virginia, questionava os membros do parlamento: “Se nenhum deles nos conhece, e nem nós a eles, porque razão eles teriam interesse em preservar a nossa liberdade e as nossas propriedades? Se não estão familiarizados com nossos problemas, nossos desejos, o que esperar deles, a não ser mais e mais cobrança de impostos?” São perguntas atualíssimas, que hoje podem ser feitas aos nossos “representantes” em Brasília.
Um pouco mais tarde, em 1789, a eclosão da Revolução Francesa ocorreria sob um clima semelhante de grande insatisfação popular com os pesados tributos que recaíam sobre a população mais pobre, para financiar um Estado que gastava sem nenhuma responsabilidade. No Brasil, tivemos a Inconfidência Mineira, deflagrada pela brutal cobrança de impostos atrasados sobre o ouro, a chamada derrama.
Enquanto o lema da Revolução Americana foi “nenhuma tributação sem representação”, no Brasil de hoje o que o povo deseja é simplesmente não pagar mais tantos impostos sem a contrapartida dos serviços públicos que atendam satisfatoriamente a todos. Há séculos os governos vêm fazendo ouvidos de mercador para essa questão; a greve dos caminhoneiros foi apenas mais um grito de alerta.
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* Advogado, doutor em Direito Econômico e Financeiro (USP)
Monte Aprazível-SP
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ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
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