O ano de 2017 marca o centenário da Revolução Russa, um dos eventos centrais da história do século 20. De início, cabe logo a pergunta-chave: por que ainda estudar a Revolução Russa, já que o colapso do império soviético se deu há mais de 25 anos? De fato, as respostas não são simples, embora a própria Revolução possa explicar muito dos conflitos que o mundo ainda vive. Os historiadores costumam dizer que o século 20 jamais será bem compreendido por aqueles que não conhecem bem a Revolução Russa e suas consequências.
A princípio, para muita gente, parecia que aquela Revolução haveria de realizar os grandes ideais de justiça, igualdade e fraternidade, pregados por todas as modernas sociedades. Por isso, despertaria o interesse de muitos intelectuais e de vários centros de estudos do mundo todo, que enviaram observadores para a Rússia, que, à época, mais se parecia com um laboratório sócio-cultural de dimensões continentais.
Desde sempre, a Rússia tem sido um permanente objeto de curiosidade por parte dos outros povos. Em razão das dificuldades para se entender bem suas inúmeras particularidades, Churchill costumava dizer que a Rússia era uma charada, envolta num grande mistério, e dentro de um enigma.
Mas, votemos então à própria Revolução. A Rússia adentrou o século 20 imersa num explosivo caldeirão de insatisfação popular, sob o jugo de uma monarquia autoritária e insensível – os Romanov -, que governava com mão de ferro havia mais de 300 anos. Nos primeiros anos do século 20, fervilhava todo tipo de problemas, em meio a milhões de operários que sobreviviam em péssimas condições, e outros tantos trabalhadores rurais, que viviam em condições próximas à da escravidão.
O primeiro estopim revolucionário foi deflagrado em 1905, quando milhares de trabalhadores saíram às ruas para protestar e desencadear a primeira greve geral. Embora tenha recebido os manifestantes a bala, o governo do czar Nicolau 2º foi obrigado a ceder e fazer algumas concessões. Naquela época, o principal partido de esquerda já havia se dividido em duas alas: os bolcheviques, revolucionários e mais radicais, e os mencheviques, moderados e reformistas.
Num primeiro momento, pensava-se então que a Rússia, aos poucos, caminharia em direção à democracia. Contudo, poucos anos depois, o país seria mergulhado no inferno da 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Cerca de 13 milhões de soldados russos foram enviados para o front. Tamanho esforço de guerra arrastou a economia russa para um colapso, que provocaria muita fome e revolta das classes populares.
Esse cenário dramático criaria as condições para que, em seguida, eclodisse a chamada Revolução Branca, em fevereiro de 1917, que resultaria na queda da até então todo-poderosa monarquia dos Romanov. Formou-se, então, um governo provisório – composto por partidos social-democratas, liberais, e socialistas moderados -, numa coalizão que previa reformas lentas e graduais. A rigor, aquele governo não pretendia fazer nenhuma reforma radical.
Entretanto, a essa altura, o líder revolucionário Lênin retorna de seu exílio na Suíça, e propõe aos bolcheviques a aplicação imediata de suas famosas “Teses de Abril” que, no fundo, resumiam-se a três pilares centrais: paz (com a saída imediata da Rússia da 1ª Guerra Mundial), pão (comida para todos), e terra (reforma agrária). Além disso, Lênin pregava a formação de um governo a ser liderado pelos sovietes (conselhos populares), bem como a estatização da economia, com a nacionalização dos bancos e o confisco das propriedades privadas.
Nesse clima de extrema instabilidade política, estava em curso uma nova revolução – ou golpe, como consideram alguns -, que viria ocorrer em outubro do mesmo ano de 1917, com a tomada do poder pelos bolcheviques, liderados por Lênin. Seria a famosa Revolução de Outubro ou a Revolução Vermelha, que, a princípio, foi um movimento que ocorreria sem muita resistência ou derramamento de sangue.
Porém, em seguida, em virtude da forte reação contrária à tomada do poder pelos bolcheviques, o país iria se afundar num grave guerra civil, que resultaria na morte de milhões de pessoas. Aproveitando-se do caos instalado no imenso território russo, diversas facções politicas e grupos armados tentavam derrubar o novo governo; eram as tropas contrarrevolucionárias, os chamados “Exércitos Brancos”. Havia interesses os mais diversos, tanto assim que, além dos combatentes de dentro da própria Rússia, dezenas de países estrangeiros também participaram da Guerra Civil, na tentativa de restabelecer o antigo governo imperial.
Em meio à Guerra Civil, a população russa foi vítima de uma terrível escassez de alimentos, que levaria à morte cerca de cinco milhões de pessoas. Essa catástrofe teria sido causada por uma infeliz conjunção de fatos, que impossibilitaram a produção agrícola de alimentos: os distúrbios provocados pela Revolução de Outubro, aliados às consequências da Guerra Civil, e agravados por um atípico e prologado período de seca. Tudo isso num país totalmente arruinado pelos gastos monumentais provocados pela participação na 1ª Guerra Mundial.
Os conflitos estenderam-se ao longo do período de 1918 a 1921, quando, finalmente, o Exército Vermelho sagrou-se vencedor. Finalizada a guerra, o Partido Bolchevique consolidou-se no governo, agora sob a denominação de Partido Comunista, e sempre sob a liderança de Lênin, que, em seguida, adotaria as providências para a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Pouco tempo depois, no início de 1924, em virtude de um AVC, Lênin morreria sem ver a sua obra concretizada. Em seu lugar assumiria a figura soturna de Josef Stalin, que, com o tempo, transformaria o Partido Comunista, numa máquina tirânica que perpetuaria um clima de intolerância e perseguição para com os dissidentes políticos.
Conforme o relato de Edmund Wilson, em sua obra monumental “Rumo à Estação Finlândia”, ao invés de favorecer a criação de uma sociedade sem classes, esse grupo estimulou a ascensão e o domínio absoluto de uma nova casta privilegiada, que logo se pôs a explorar os trabalhadores de modo quase tão cruel quanto o faziam antes os industriais do regime czarista, sujeitando-os a uma espionagem que provavelmente era pior do que a que havia nos tempos do czar.
Mas, até chegar à derrocada final do comunismo soviético, muita água haveria de rolar: o longo e truculento governo de Stalin, o tormentoso processo de coletivização das terras, a remoção forçada de milhões de pessoas para regiões remotas do vasto território soviético, os expurgos ideológicos, a participação central das tropas da União Soviética na 2ª Guerra Mundial, a “exportação” da Revolução, a Guerra Fria, a corrida espacial, e tanta coisa mais.
Convém observar que este breve texto nem de longe consegue dar conta de extrema complexidade que envolveu a Revolução Russa (na verdade, as revoluções) e seus desdobramentos. De qualquer forma, em virtude da relevância da data, julguei conveniente produzir estas poucas linhas, que poderão estimular os mais interessados a se aventurar na produção de uma verdadeira pesquisa sobre esse assunto.
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* Agente Fiscal de Rendas aposentado,
mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro (FD-USP)
Monte Aprazível-SP
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ARTIGOS de JOÃO FRANCISCO NETO
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